Nanao Global
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nanao news
snyder, a lontra do mar
09/05/2023
Ontem, dia 8 de maio, Gary Snyder completou 93 anos de idade. O poeta zen-beat, vagabundo do dharma original, foi um grande amigo de Nanao Sakaki. Quando eles se encontraram no Japão, na década de 1960, instantaneamente se tornaram amigos e intensas influências para a vida e texto um dos outro.
Para celebrar essa amizade no aniversário de Gary, compartilhamos aqui um singelo texto que Nanao escreveu sobre o tempo em que eles passaram juntos na vulcânica ilha de Suwanose, na comunidade Banyan Ashram. O texto foi publicado originalmente em Gary Snyder: dimensions of a life, um livro de 1991 organizado por Jon Halper e publicado pela Sierra Club Books.
Curtam!
Poeira do meu velho mochilão
A) A Primeira Estrela
Uma noite, provavelmente no início do verão de 1965, Gary Snyder e eu perambulávamos por uma das longas e estreitas ruas de Quioto, logo após uma chuva rápida ter acabado. Vários senhores japoneses caminhavam atrás de nós. Ouvimos eles nos chamarem de ‘gaijins’ (forasteiros). Virando-se para trás, Gary gritou em japonês: ‘Somos naijins’ (nativos). Eles ficaram de boca aberta, e nós continuamos nossa caminhada. Logo vimos a primeira estrela no céu do ocidente.
B) Lontra do Mar
1. Estamos no recife de coral do Tidal Point, o ponto mais ao sul da Ilha de Suwanose, no Mar da China Oriental. Enquanto o sistema solar gira sem cessar, estamos no verão de 1967. Animados com o primeiro mergulho em um recife de coral, cerca de dez jovens de snorkels, máscaras de mergulho e pés de pato estão na praia, em uma enseada tranquila do Tidal Point. Gary Snyder está entre eles. Logo descobrimos que ele é um nadador surpreendentemente bom. “Uma lontra do mar, não parece?’, alguém diz. Às vezes ele levanta a cabeça acima das ondas e depois mergulha de novo no jardim de corais. Ele se afasta da praia cada vez mais.
2. Por acaso, o ancião da ilha passa por ali. Ele faz um sinal para que eu me aproxime.
“Aquele americano está indo longe demais. É muito perigoso ultrapassar o recife. Chame-o de volta, por favor!”
“Você acha mesmo?”
“A Corrente Kuroshio passa por ali. Você a conhece muito bem, não é?”
3. Três dias antes da chegada de Gary à ilha, eu estava remando em um pequeno barco de pesca com seis ilhéus contra a Corrente Kuroshio. No Tidal Point, esse grande rio oceânico corre três milhas náuticas por hora. Minhas mãos ainda se lembram como estava difícil remar, mesmo para sete homens juntos.
4. Ansioso e irritado, o ancião está praticamente me dando uma bronca.
“Traga-o de volta logo! Senão, quem sabe o que pode acontecer com ele?”
“Gary, volte! Volte, Gary!”
O vento e as ondas mascaram minha voz. Agora Gary se transforma em uma lontra marinha completamente. Sua cabeça aparece por cima das ondas por um ou dois segundos, para depois desaparecer instantaneamente na água azul. Sob o sol escaldante do verão, nós o vemos novamente em outro ponto inesperado.
5. Surpresos com meus gritos, com expressões de confusão, todos saem da água. A voz meio chorosa do ancião me comove. Nessa hora, vislumbro a cabeça da Lontra do Mar perto do Tidal Point. De rocha em rocha, como um peixe voador, meu corpo corre, salta e voa até lá. Faço um sinal para ele, usando um pedaço de pano vermelho como uma bandeira. Finalmente a Lontra do Mar percebe meus sinais e nada até mim.
6. “Qual é o problema?”
“Você vai nadar até a Costa Oeste?”
“Será que eu deveria tentar?”
Aponto para o mar. “A Corrente Kuroshio corre bem ali. Todo mundo na praia está preocupado com você. Vamos voltar!”
“OK”
Agora, duas lontras do mar nadam de volta à praia, lutando contra a maré vazante. Quando finalmente chegamos à areia, o ancião sorri para nós com aprovação.
7. Algumas semanas antes disso, o Banyam Ashram nascia no sopé de um vulcão. Todos no ashram estavam alegres e confiantes uns nos outros. Naquela época, sabíamos muito pouco sobre o vulcão e o mar. Durante aquelas poucas semanas, o vulcão que era normalmente tão ativo permaneceu em silêncio. Mas o canto da cigarra rugia no bambuzal dia após dia.
8. À noite, após o primeiro mergulho, curtimos nosso humilde, mas delicioso jantar sob a figueira-da-índia. Apareceu um vagalume, e depois o ancião chegou trazendo de presente uma garrafa de saquê caseiro e uma grande sororoca. Ele nos ensinou muitos truques mágicos: por exemplo, como identificar a direção de um tufão sem acessar nenhuma previsão do tempo. E ele também nos contou sobre vários acidentes marítimos que aconteceram na ilha. Certa vez, no Tidal Point, um estudante de Osaka foi levado pela Corrente Kuroshio e nunca mais foi visto. Alguns ilhéus estavam em uma praia próxima, mas não tiveram como resgatá-lo.
9. No dia seguinte, depois de atravessar uma mata semitropical – camélias, Fatsia japônica, palmeiras... todos novamente mergulharam na água. A Lontra do Mar partiu direto para o Tidal Point. Ele guardou em sua mente o conselho do ancião. Mas o jardim de corais o atraía cada vez mais para o fundo do mar. Finalmente, eu o vejo nadando no limite do recife.
10. Em nosso terceiro dia de mergulho, a Lontra do Mar ultrapassa o recife levando uma lança. Algumas horas depois, ele volta ao ashram com três dourados e um polvo enorme.
— Monte Akashi, fevereiro de 1989
Nanao Sakaki e Gary Snyder, nos EUA, mais de 20 anos após o convívio na Ilha de Suwanose. A foto é de Allen Ginsberg.
Para celebrar essa amizade no aniversário de Gary, compartilhamos aqui um singelo texto que Nanao escreveu sobre o tempo em que eles passaram juntos na vulcânica ilha de Suwanose, na comunidade Banyan Ashram. O texto foi publicado originalmente em Gary Snyder: dimensions of a life, um livro de 1991 organizado por Jon Halper e publicado pela Sierra Club Books.
Curtam!
Poeira do meu velho mochilão
A) A Primeira Estrela
Uma noite, provavelmente no início do verão de 1965, Gary Snyder e eu perambulávamos por uma das longas e estreitas ruas de Quioto, logo após uma chuva rápida ter acabado. Vários senhores japoneses caminhavam atrás de nós. Ouvimos eles nos chamarem de ‘gaijins’ (forasteiros). Virando-se para trás, Gary gritou em japonês: ‘Somos naijins’ (nativos). Eles ficaram de boca aberta, e nós continuamos nossa caminhada. Logo vimos a primeira estrela no céu do ocidente.
B) Lontra do Mar
1. Estamos no recife de coral do Tidal Point, o ponto mais ao sul da Ilha de Suwanose, no Mar da China Oriental. Enquanto o sistema solar gira sem cessar, estamos no verão de 1967. Animados com o primeiro mergulho em um recife de coral, cerca de dez jovens de snorkels, máscaras de mergulho e pés de pato estão na praia, em uma enseada tranquila do Tidal Point. Gary Snyder está entre eles. Logo descobrimos que ele é um nadador surpreendentemente bom. “Uma lontra do mar, não parece?’, alguém diz. Às vezes ele levanta a cabeça acima das ondas e depois mergulha de novo no jardim de corais. Ele se afasta da praia cada vez mais.
2. Por acaso, o ancião da ilha passa por ali. Ele faz um sinal para que eu me aproxime.
“Aquele americano está indo longe demais. É muito perigoso ultrapassar o recife. Chame-o de volta, por favor!”
“Você acha mesmo?”
“A Corrente Kuroshio passa por ali. Você a conhece muito bem, não é?”
3. Três dias antes da chegada de Gary à ilha, eu estava remando em um pequeno barco de pesca com seis ilhéus contra a Corrente Kuroshio. No Tidal Point, esse grande rio oceânico corre três milhas náuticas por hora. Minhas mãos ainda se lembram como estava difícil remar, mesmo para sete homens juntos.
4. Ansioso e irritado, o ancião está praticamente me dando uma bronca.
“Traga-o de volta logo! Senão, quem sabe o que pode acontecer com ele?”
“Gary, volte! Volte, Gary!”
O vento e as ondas mascaram minha voz. Agora Gary se transforma em uma lontra marinha completamente. Sua cabeça aparece por cima das ondas por um ou dois segundos, para depois desaparecer instantaneamente na água azul. Sob o sol escaldante do verão, nós o vemos novamente em outro ponto inesperado.
5. Surpresos com meus gritos, com expressões de confusão, todos saem da água. A voz meio chorosa do ancião me comove. Nessa hora, vislumbro a cabeça da Lontra do Mar perto do Tidal Point. De rocha em rocha, como um peixe voador, meu corpo corre, salta e voa até lá. Faço um sinal para ele, usando um pedaço de pano vermelho como uma bandeira. Finalmente a Lontra do Mar percebe meus sinais e nada até mim.
6. “Qual é o problema?”
“Você vai nadar até a Costa Oeste?”
“Será que eu deveria tentar?”
Aponto para o mar. “A Corrente Kuroshio corre bem ali. Todo mundo na praia está preocupado com você. Vamos voltar!”
“OK”
Agora, duas lontras do mar nadam de volta à praia, lutando contra a maré vazante. Quando finalmente chegamos à areia, o ancião sorri para nós com aprovação.
7. Algumas semanas antes disso, o Banyam Ashram nascia no sopé de um vulcão. Todos no ashram estavam alegres e confiantes uns nos outros. Naquela época, sabíamos muito pouco sobre o vulcão e o mar. Durante aquelas poucas semanas, o vulcão que era normalmente tão ativo permaneceu em silêncio. Mas o canto da cigarra rugia no bambuzal dia após dia.
8. À noite, após o primeiro mergulho, curtimos nosso humilde, mas delicioso jantar sob a figueira-da-índia. Apareceu um vagalume, e depois o ancião chegou trazendo de presente uma garrafa de saquê caseiro e uma grande sororoca. Ele nos ensinou muitos truques mágicos: por exemplo, como identificar a direção de um tufão sem acessar nenhuma previsão do tempo. E ele também nos contou sobre vários acidentes marítimos que aconteceram na ilha. Certa vez, no Tidal Point, um estudante de Osaka foi levado pela Corrente Kuroshio e nunca mais foi visto. Alguns ilhéus estavam em uma praia próxima, mas não tiveram como resgatá-lo.
9. No dia seguinte, depois de atravessar uma mata semitropical – camélias, Fatsia japônica, palmeiras... todos novamente mergulharam na água. A Lontra do Mar partiu direto para o Tidal Point. Ele guardou em sua mente o conselho do ancião. Mas o jardim de corais o atraía cada vez mais para o fundo do mar. Finalmente, eu o vejo nadando no limite do recife.
10. Em nosso terceiro dia de mergulho, a Lontra do Mar ultrapassa o recife levando uma lança. Algumas horas depois, ele volta ao ashram com três dourados e um polvo enorme.
— Monte Akashi, fevereiro de 1989

um cervejeiro em praga
09/05/2023
praga, república tcheca
praga, república tcheca
Praga é definitivamente um dos lugares por onde Nanao Sakaki espalhou algumas de suas sementes mais férteis! Ele passou pela República Tcheca no ano de 1990. Na ocasião, junto de Allen Ginsberg, Anne Waldman e Andy Clausen, ele foi convidado pelo líder revolucionário e dramaturgo Václav Havel (recém tornado Presidente da República) para participar de uma comemoração oficial do país, que acabava de se emancipar do regime comunista. Naquele mesmo ano também foi publicada a primeira antologia de Nanao no idioma tcheco, traduzida por Jiří Wein.
Nanao lê seus poemas em Praga, em 1990
Václav Havel com Nanao Sakaki e Andy Clausen
Mas sua passagem pelo território tcheco, de certa forma, ainda não terminou. No ano de seu centenário, algumas celebrações estão sendo organizadas pelos admiradores, estudiosos e amigos de Nanao no país. Em primeiro de janeiro, dia de seu nascimento, uma grande homenagem em Praga foi protagonizada pelos membros do Nanao Sakaki Projekt – um coletivo de poetas, atores, músicos e dançarinos que desde 2011 criam trabalhos baseados em seus textos.
Confiram abaixo um vídeo e algumas fotos da performance do Nanao Sakaki Projekt que rolou no aniversário de Nanao.
O Nanao Sakaki Projekt no palco, dia primeiro de janeiro de 2023
As celebrações de Nanao ainda mereceram o lançamento da 3ª edição de Jít Nalehko…: básně japonského poutníka [Pegue leve...: poemas de um peregrino japonês], com as poesias de Nanao vertidas para o tcheco por Jiří Wein. O livro pode ser adquirido no site da editora, a Dharmagaia.
Agora, fiquem com um poema que Nanao dedicou à cidade que o acolheu e continua o acolhendo em seu centenário!
Praga
(Nanao Sakaki / tradução Felipe Melhado)
Certa vez
Eu fui um vidraceiro em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Rainer Maria Rilke.
Certa vez
Eu fui um violonista em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Franz Kafka.
Certa vez
Eu fui um jardineiro em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Karel Capek.
Certa vez
Eu fui um cervejeiro em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Nanao Sakaki.
Nanao lê seus poemas em Praga, em 1990

Mas sua passagem pelo território tcheco, de certa forma, ainda não terminou. No ano de seu centenário, algumas celebrações estão sendo organizadas pelos admiradores, estudiosos e amigos de Nanao no país. Em primeiro de janeiro, dia de seu nascimento, uma grande homenagem em Praga foi protagonizada pelos membros do Nanao Sakaki Projekt – um coletivo de poetas, atores, músicos e dançarinos que desde 2011 criam trabalhos baseados em seus textos.
Confiram abaixo um vídeo e algumas fotos da performance do Nanao Sakaki Projekt que rolou no aniversário de Nanao.







O Nanao Sakaki Projekt no palco, dia primeiro de janeiro de 2023
As celebrações de Nanao ainda mereceram o lançamento da 3ª edição de Jít Nalehko…: básně japonského poutníka [Pegue leve...: poemas de um peregrino japonês], com as poesias de Nanao vertidas para o tcheco por Jiří Wein. O livro pode ser adquirido no site da editora, a Dharmagaia.
Agora, fiquem com um poema que Nanao dedicou à cidade que o acolheu e continua o acolhendo em seu centenário!
Praga
(Nanao Sakaki / tradução Felipe Melhado)
Certa vez
Eu fui um vidraceiro em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Rainer Maria Rilke.
Certa vez
Eu fui um violonista em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Franz Kafka.
Certa vez
Eu fui um jardineiro em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Karel Capek.
Certa vez
Eu fui um cervejeiro em Praga.
Naquele tempo
Me chamavam Nanao Sakaki.
prima di andare a dormire
06/02/2023
roma, itália
roma, itália
A Itália é definitivamente um dos locais onde a poesia de Nanao continua a florescer. De Roma, especialmente para as celebrações do Nanao Global Year, recebemos a gravação de Prima di andare e domire, uma versão musicada, em italiano, do poema I Mumble Before Going to Bed, de Nanao Sakaki!
A tradução e a adaptação para o italiano é de Maura Zerella e Ciro Zerella. Ela faz os backing vocals e ele os vocais principais, além de tocar teclados e shamisen. A guitarra é de Gerardo Danna, a bateria de Gaspare Vitiello, e o baixo do querido Gary Lawless! A gravação, mixagem e master são de Raffaello Piscareta, da Mood Records, que fica em Atripalda, na Itália. A gravação do baixo de Lawless foi feita por Jud Caswell, no Frog Hollow Studio, em Brunswick, no Maine, EUA.
Lawless também nos enviou uma carta que Nanao escreveu para ele, dizendo de seu desejo de um dia ler seus poemas em italiano – um sonho que se perfaz em seu centenário.
Confiram a canção e a carta a seguir, e mais abaixo, a versão do poema em português.
Grazie, arigato, thanks!
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A tradução e a adaptação para o italiano é de Maura Zerella e Ciro Zerella. Ela faz os backing vocals e ele os vocais principais, além de tocar teclados e shamisen. A guitarra é de Gerardo Danna, a bateria de Gaspare Vitiello, e o baixo do querido Gary Lawless! A gravação, mixagem e master são de Raffaello Piscareta, da Mood Records, que fica em Atripalda, na Itália. A gravação do baixo de Lawless foi feita por Jud Caswell, no Frog Hollow Studio, em Brunswick, no Maine, EUA.
Lawless também nos enviou uma carta que Nanao escreveu para ele, dizendo de seu desejo de um dia ler seus poemas em italiano – um sonho que se perfaz em seu centenário.
Confiram a canção e a carta a seguir, e mais abaixo, a versão do poema em português.
Grazie, arigato, thanks!

Resmungo Antes de Dormir
(Nanao Sakaki / tradução Felipe Melhado)
Em sete minutos
Você cai no sono.
Em sete horas
Você acorda.
Em sete dias
Você se cansa de um emprego.
Em sete anos
Você se esquece dos amigos.
Em setenta anos
Você se foi.
Em setecentos anos
Ninguém te conhece.
Em setenta mil anos
Nenhum ser humano na terra.
Em setecentos milhões de anos
A Via Láctea desaparece.
Em setecentos milhões de anos-luz
Alguém dorme em sua cama.
1 de abril, 2000
(Nanao Sakaki / tradução Felipe Melhado)
Em sete minutos
Você cai no sono.
Em sete horas
Você acorda.
Em sete dias
Você se cansa de um emprego.
Em sete anos
Você se esquece dos amigos.
Em setenta anos
Você se foi.
Em setecentos anos
Ninguém te conhece.
Em setenta mil anos
Nenhum ser humano na terra.
Em setecentos milhões de anos
A Via Láctea desaparece.
Em setecentos milhões de anos-luz
Alguém dorme em sua cama.
1 de abril, 2000